Perfil

Vanessa Queiroz

20. Outubro. 1976
São Paulo SP

Entrevista realizada em março/2017.
Revisada em maio/2018.

Vanessa Queiroz é sócia de três empresas, diretora de projetos no Colletivo e na Moonstro, um dos poucos nomes femininos dentro do corpo diretor da Associação dos Designers Gráficos do Brasil, professora e palestrante. A sua relação com o design, no entanto, já existe desde a infância, quando teve o primeiro contato com as ilustrações publicitárias que o seu pai, Marcos Queiroz*, desenvolvia. Desde pequena, desenhava e dava aulas de desenho para as crianças do seu prédio, mas sempre se identificou com um pensamento mais técnico, o que fez com que se encantasse pela filosofia funcionalista da Bauhaus e pelo design, em si, como profissão, quando ingressou na universidade.

Em 2004, ao lado de três colegas da faculdade, desencantados pelo mercado publicitário no qual estavam inseridos, Vanessa decide abrir um estúdio de design gráfico, o Colletivo, que 14 anos depois, se tornaria uma das principais referências nacionais na área.

*Ilustrador e arquiteto autodidata; ex aluno da escola panamericana de artes. já ocupou cargos em agências de publicidade, mas preferia trabalhar como um profissional autônomo.

Qual foi o maior desafio da trajetória do Colletivo, para você?

Eu acho que o maior desafio foi aprender a lidar com a ansiedade do dia seguinte. A questão da grana nunca foi um problema para gente, porque a gente entendia que como não tínhamos um investidor, todo dinheiro que entrasse seria da empresa, porque a gente precisava fazer a empresa crescer, então era preciso investir. Todo mundo morava com os pais ainda, então a gente investiu todo o dinheiro. Tirava uns cem reais, meio que tentava pagar a gasolina um do outro quando tinha reunião, mas basicamente a gente não tirava nada de grana e também não era o mais importante. Nunca tive problema com machismo dentro do Colletivo, nunca tive que me colocar diferente por ser uma mulher com três caras. Sempre foram meus amigos e me trataram igualmente e eu acho que vai muito da postura da mulher, nesse sentido, imagina se eu suspeitasse que um deles me rebaixasse porque eu sou mulher, eu nunca teria sido sócia deles. Muito menos amiga.

Se você pudesse escolher três trabalhos do Colletivo, que você considera mais representativos para você e para a empresa, quais seriam?

Acho que o primeiro de todos, que foi o Mountain Dew Summer Games. Foi o primeiro trabalho que a gente entendeu design, como toda a direção de arte de uma campanha, pra um evento nos Estados Unidos. Fora o fato de um cara escolher e chamar a gente por causa do nosso estilo. Ele queria o nosso traço, então foi muito legal.

A linha da Bohemia, também, foi muito legal. A gente fez tudo, branding mesmo: storytelling, nome e embalagem de uma linha para a Ambev, que é uma empresa gigantesca, e direto para o cliente final, sem agência. Então eu considero um projeto muito amadurecido.

E, por último, a Gold & Ko, por conta da história de ser uma startup de uma empresa que já existia, que a família vendeu e que o nome foi mantido (Kopenhagen), então a gente teve que reposicionar. Nesse caso, ele queria uma embalagem azul, com uns alpes suíços no fundo, um chocolate caindo no leite…  e a gente explicou que, não, assim eles iriam sumir na gôndola. A gente conseguiu convencer uma família super tradicional a fazer uma coisa totalmente pro outro lado e está sendo um mega case de sucesso. Já chegou em todo lugar. Acho que esses são os três projetos dos quais a gente tem mais orgulho. Isso sem falar nas cervejas das cachorras, né? Que também é muito legal.

Você acha que ser mulher interfere na forma como você trabalha?

Sim, acho que nós, mulheres, tirando algumas exceções, conseguimos fazer vinte coisas ao mesmo tempo. Eu consigo pensar em um layout que o cliente vai gostar, atender o telefone, enviar um email… Eu vejo aqui que a diferença entre os designers homens e as mulheres é bizarra. O homem sempre pede o prazo maior, sempre tem que pensar se consegue me passar uma data quando eu peço. As meninas, não. Elas vão abraçando e fazendo tudo o que eu peço. Pelo menos, aqui, a maioria é assim. Os homens têm um jeito de trabalhar muito diferente, o pensamento deles é muito mais esquematizado. As mulheres conseguem assumir mais de uma tarefa ao mesmo tempo. Às vezes eu chego lá, elas estão com três, quatro layouts abertos ao mesmo tempo, alterando um, já começando outro, pesquisando um terceiro. Ao meu ver, não dá pra comparar. Vou ser muito xingada pelos caras [risos].

E com um cliente, você já passou por alguma situação machista?

Muitas vezes. Um cliente já virou para o Marcelo e disse “Sai da reunião, que eu quero falar com a gostosinha”, na minha frente. Já aconteceu, também, de um cliente passar a reunião inteira, com o Marcelo e comigo e só falar com o Marcelo. Quando eu falava, ele não olhava pra mim, só olhava pra ele. Coisas, assim, tão gritantes, que até os meus sócios, mesmo, percebiam. Hoje em dia isso melhorou muito. Eu praticamente não percebo. Talvez porque eu tenha ficado mais velha, mais esperta… aprendi a ter jogo de cintura.

Você conseguia reagir a essas situações?

A maioria das vezes eu não reagi. Eu sempre fiquei chocada. Quando eu penso na história, me imagino levantando e dando um murro na cara dele, me imagino levantando e xingando ele, mil coisas, mas na hora eu só fiquei em choque. É uma situação muito ruim. Nesse caso, em específico, que falei, o Marcelo deu uma risada amarela, a reunião continuou, daí ele ainda brincou de novo e eu saí pra buscar uma água. Eu lembro até hoje da cena. Fiquei na sala da frente, sentada pensando “o que foi isso?”. Voltei, fiquei calada a reunião inteira e quando a gente foi embora, o Marcelo virou pra mim e disse “Meu, ele é muito babaca né?”. Fiquei indignada. Isso parece que faz muito tempo, mas foi em 2005. Mas as pessoas eram muito menos respeitosas do que são hoje. Acho todo esse movimento feminista é muito importante, porque hoje, se o cara é minimamente informado, ele pensa duas vezes, fazer uma bobagem dessas.

Por último, se você pudesse mudar alguma coisa no mundo do design, o que você mudaria?

Nossa, que pergunta difícil! Bom, uma coisa que tem a ver com a entrevista de vocês, e que já está mudando, é aumentar o número de mulheres no design. Eu acho que a mulher tem muito a acrescentar no design e uma das coisas mais importantes é que ela esteja em papéis de liderança. Não sei se vocês assistiram o documentário “Abstract”, com a Paula Scher… é interessante você ver ela falando que essa coisa do machismo não fez diferença na vida dela (e nisso eu me identifiquei muito, porque na minha também não fez) e como você pode chegar longe se você for bom e acreditar no seu potencial.

Acho que o que eu mudaria, mas aí eu teria que mudar o mundo e fica um pouco mais difícil, é que as mulheres tivessem mais representatividade no mundo desde que ele começou, de maneira efetiva e em todas as áreas. Eu acho que faria muita diferença hoje no mercado. A gente ainda tem muito o que conquistar e daí quando me chamam para que eu vá dar uma aula, porque eu sou uma mulher referência na minha área, eu penso “Caramba, que legal. Que bom que eu sou uma boa profissional e ainda ajudo a representar as outras mulheres”. E isso significa que todo mundo pode ser.

Talvez uma coisa mais prática que eu mudaria no design, também, é que as universidades começassem a pensar na vida real. Que preparassem as pessoas para criarem suas empresas, seja lá em que área for.