FOTO

Tereza Bettinardi

19. Abril. 1983
Santa Maria ES

Tereza Bettinardi nasceu em Santa Maria, onde cursou Programação Visual. Tendo começado sua trajetória acadêmica no curso de jornalismo, nunca viu essas duas disciplinas se separarem completamente e construiu seu portfólio sempre próxima ao universo da escrita. Em 2015, concretizou essa relação no curso Design Writing and Research Summer Intensive na School of Visual Arts em Nova York. 

Passando pela organização de um N Design, atuação na editora Abril, trabalho no escritório Kiko Farkas e na editora Cosac Naify, hoje Tereza cria projetos de livros, identidades visuais, revistas, catálogos e embalagens de forma independente.

Quais trabalhos você mais gostou de fazer? Tem algum que você se orgulha mais?

Eu gosto de muitos trabalhos que eu já fiz. Um dos que eu destaco, na minha trajetória de livros, é o primeiro projeto em que o processo foi maravilhoso, que foi no Decameron, da Cosac Naify, que fiz junto com a Elaine Ramos. O trabalho realmente fluiu, houve muita coerência, ganhamos até prêmios. Digo que foi um mergulho, por ser um texto de 700 anos, teve muita pesquisa. É uma grande responsabilidade quando fazemos um livro e o texto é muito bom, você tem que respeitar essa história.

Outro projeto que eu gosto muito é a Coleção de Poesia Contemporânea, também da Cosac, porque ele traz questões muito interessantes sobre o objeto livro, da capa e da importância da tipografia. Esse foi um projeto que eu assinei e me ensinou muito sobre o papel do designer gráfico como um autor da obra. A verdade é que nesse projeto eu não consigo dizer quem é o autor, porque apesar de eu ter executado e apostado na ideia, a troca tanto com a equipe do design quanto com a equipe do editorial, faz com que eu acabe não concordando com esse entendimento do design assinado, porque foram muitas as contribuições de outras pessoas. A Coleção de Poesia foi um projeto que me mostrou isso, porque veio de uma conversa, com todos. E normalmente as boas ideias vem de uma conversa.

Acaba que não gosto das coisas só pela forma, mas pelo processo. Por exemplo, o CD da Tulipa Ruiz, quando ela me chamou pra trabalhar, ela já tinha os desenhos e queria dar uma cara ao projeto. Essa é uma situação para a qual muita gente vai torcer o nariz, porque quando há a crença de que você tem que ser o autor por completo, vai ser uma furada. Mas eu não tenho essa abordagem. Fomos conversando, ela me mandou o desenho e nas conversas falamos sobre o disco ser muito dançante. Eu tinha visto um livro lá na Cosac que brincava com esse efeito em que os desenhos se mexem e acabamos fechando nesse conceito de fazer o disco dançar mesmo. Teve um momento em que eu comecei a desenhar por cima dos desenhos dela e ela acabou não se reconhecendo mais. Percebi que esse não era o caminho e voltamos vários passos atrás. Vi o quão importante é desenvolver uma relação de confiança com o cliente, porque era o desenho dela. Quando começamos a pensar no título ela sugeriu que eu escrevesse, mas esse aprendizado de não interferir no trabalho do outro foi tão marcante para mim, que eu disse que era ela quem tinha que escrever. A letra precisava ser dela. Ali eu era uma mão invisível. Foi um projeto muito importante para me alertar sobre a questão da confiança e não frustrar a experiência do design gráfico para o outro.

Outro projeto que eu gosto muito é o Dom Casmurro. O Dom Casmurro é um livro que eu pessoalmente amo e tem uma importância grande para mim, por isso foi grande honra fazer. Foi uma história que me impactou muito quando eu era adolescente e eu fiquei apavorada com o desafio. Tive que me afastar um pouco para conseguir.

Como é o seu processo criativo?

A primeira coisa que eu faço é conversar muito com a pessoa. Isso já faz parte do meu processo e normalmente disso já sai uma ideia de pra onde ir. Eu acho que o processo tem que envolver outra pessoa. Algo que tento entender muito bem é o que a pessoa está buscando em mim, o que ela está querendo quando ela me procura. Isso é importante de entender porque ajuda a compreender o que ela está esperando. O meu processo criativo envolve saber a expectativa do outro.

Uma coisa que eu demorei para entender, é que eu gosto de desenvolver projetos que exigem muita paciência e que são, de certa forma, custosos. Teve um projeto, por exemplo, no qual eu passei uma semana inteira cortando papel com bisturi, fiquei cheia de calo. Eu sempre tive essa noção de que um bom trabalho é algo que parece que tem muito tempo empregado nele. Eu nunca gostei de fazer coisas que parecem que não tem esforço. Se eu pudesse definir meu trabalho, sem modéstia, acho que falaria do esforço. Isso do manual é muito forte para mim.

Por outro lado, eu tenho entendido que se eu demoro menos tempo para fazer um projeto, não preciso achar que tem algo errado, porque não é só aquele tempo, é toda a experiência de todos os anos que eu já vivi, todos os livros que já vi, todas as exposições que já fui, condensadas no meu eu aqui, projetadas nesse momento. Quando eu hoje sento no computador é muito mais para resolver algo que já está na minha cabeça. Claro que ainda tem muita tentativa e erro, mas parte do meu processo criativo é interno.

Você acha que sua linguagem gráfica tem a ver com o fato de você ser mulher?

Já me falaram que sim. Já me disseram que meu portfólio era ‘muito rosa’!

Qual foi o maior desafio da sua carreira?

Todos os trabalhos, cada projeto é um desafio. Sei que soa um pouco genérico dizer isso, mas cada coisa tem sua dificuldade. Os problemas estão muito mais nas relações interpessoais e em entender como você opera. Esses desafios acabam se mesclando também com minha trajetória pessoal. Por exemplo na editora Abril, foi difícil porque eu tinha acabado de me mudar para São Paulo, do interior do Rio Grande do Sul, super longe de casa. Já na Cosac eu aprendi muito, mas foi difícil porque demorei um tempo para entender as particularidades da prática de trabalhar com o livro no Brasil. Ser designer independente sendo mulher e muito jovem. Cada momento teve sua dificuldade.

Você se considera feminista?

São muitos feminismos né? Mas sim, tenho ficado muito atenta a questão. Também me atento para a questão social. Eu sempre estudei em escola pública e quando for contratar um estagiário, darei preferência para alguém que tenha vindo de escola pública também. Talvez eu não pegue a pessoa com o portfólio mais legal ou com a melhor experiência de estágio, mas quero usar esse privilégio para dar oportunidade para alguém que precise de mais visibilidade.

O que você mudaria no mundo do design?

Menos ego. É um tema muito problemático. A primeira coisa que eu mudaria seria na faculdade: a primeira aula explicando que você é apenas uma engrenagem em uma grande máquina. Você não é artista, o lugar da arte é outro… O design é para dialogar. Esse papo de “o cliente não entende o que eu faço” não deveria mais existir. Lembro que a gente perdia muito tempo na faculdade discutindo isso de uma forma hipotética, até porque não existia essa figura do cliente (risos).