Tamires Lima

21. Julho. 1990
Recife PE

Entrevista realizada em março/2017.
Revisada em maio/2018.

Metade Bahia e metade Pernambuco, como costuma se descrever, Tamires é designer, ilustradora e animadora, mas a sua grande paixão, mesmo, é contar histórias, não importa em que plataforma.

Sua carreira profissional se divide em dois grandes focos de interesse: os livros infantis e a animação para o cinema, tendo passado pela equipe da série “Fala, Menino!” e do longa-metragem “Miúda e o Guarda-Chuva”. Com a produção dos seus livros, teve a oportunidade de realizar um intercâmbio cultural na Cidade do México e de apresentar seu projeto “Fabrincando” na Feira Internacional do Livro de Guadalajara.

Desde 2013, se dedica também à academia, tendo realizado mestrado na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e, em 2016, é aprovada em concurso público para ensinar computação gráfica no curso de Design da universidade Federal da Bahia – UFBA, tornando-se professora em 2017.

Quais são os seus planos para o futuro?

Continuar ensinando na Escola de Belas Artes da UFBA. Eu estou em estágio probatório, por 3 anos, lá. Depois desses 3 anos, vou fazer um doutorado, porque eu não posso fazer agora, e para mim, é muito importante eu ser uma mulher negra doutora, por uma questão de representatividade. Sempre acham que você não tem como chegar lá, simplesmente ao olhar  acham que você não tem capacidade, ou te confundem no mercado. Então é importante, para mim, estar num espaço que não foi, necessariamente, destinado a mim, e falar que eu existo e que vou ocupar o mesmo espaço que você ocupa. Eu pretendo ser doutora, também, pra continuar sendo uma referência para outras pessoas. Por exemplo, tem crianças que falam para mim: “Vou deixar meu black igual ao seu”. Muita gente me adiciona nas redes sociais, gente que eu nunca vi na vida e eu aceito, porque elas querem acompanhar a trajetória de uma mulher negra, que mostre a elas que é possível.

Eu acho que é importante você pensar de que forma você influencia o entorno em que você está. O meu trabalho segue nessa linha: de que forma você pode ser referência para alguém? De que forma você pode mudar o dia de alguém? De pensar que ir fazer uma oficina, passar duas horas com as crianças ou com idosos, em um asilo, podem mudar completamente o dia de outra pessoa. Então é isso, eu estou seguindo o fluxo e a única coisa que eu tenho em mente é fazer um doutorado, quero fazer a diferença na Universidade no quesito da representatividade e continuar fazendo livros. Não sei.

Você já sentiu alguma dificuldade no mercado de trabalho ou na academia por ser mulher, por ser negra?

Eu era mais ingênua, antes. Hoje em dia eu fico lendo tantos textos e assistindo tantos vídeos, que a aprendi a diferenciar mais as coisas. Então, o que eu percebo é que, por exemplo, quando eu entrei na faculdade, eu tinha 17 anos e não sabia nem qual era o ônibus que pegava para o Centro, porque enfim, eu morava em Piatã e não tinha nem o que fazer no Campo Grande. Quando eu entrei, as pessoas eram todas descoladinhas e eu ficava meio cabreira, tipo, poxa, eu não sei muito, não sou boa o suficiente, eu não tenho tantas referências como as outras pessoas, enfim. Depois você descobre que tá todo mundo no mesmo barco, que ninguém sabe de nada, mas tinha um professor ou outro que ficava idolatrando o aluno x, ou a aluna y, por um motivo qualquer, e ele olhava pra mim e não esperava nada. Achava que eu não conseguiria alcançar o que era esperado.

Uma vez, quando eu entreguei os trabalhos, um professor disse assim pra mim: “Nossa, você conseguiu fazer, você me surpreendeu, hein? Pensei que você não ia conseguir.”. Aí eu dou o benefício da dúvida, né? Eu tenho um amigo que me disse que aquilo era racismo, que questionou o porquê de ele achar que eu não conseguiria. O que me diferenciava das outras pessoas, se todos frequentávamos a mesma classe, escutávamos as mesmas coisas, e tinham que entregar os mesmos trabalhos no final da disciplina? Enfim, é isso que eu encontro como empecilho acadêmico. No trabalho eu não tive muito, talvez por estar trabalhando num nicho muito específico, a animação, e termos poucos profissionais atuando aqui na Bahia.

Se você pudesse mudar uma coisa no mundo do design, ou da academia, o que seria?

Eu faria uma distribuição mais descentralizada das produções culturais. Eu sou a “menina do edital”, eu tenho arquivos no word dizendo os editais de cada mês, mas vejo que as mesmas pessoas sempre ganham e que a distribuição das peças vai sempre para os mesmos lugares.

Outra coisa que me incomoda muito é a falta de representatividade nas peças gráficas, seja em filmes, livros… você não vê personagens negros ou índios, a não ser que seja um pedido específico. Eu acho tão estranho se você é uma pessoa negra e desenha personagens brancos, sabe? É estranho para mim, porque você não desenha a sua própria identidade. Você não está se vendo no que você está fazendo. Eu acho importante você imergir na cultura e na identidade local, para sua experiência refletir nas peças que você faz. A gente vê muitos panfletos e outdoors que poderiam ter sido feitos lá em Nova York e não em Salvador, sabe? Não se cria pensando no cenário local, no consumidor local. Sempre excluem a nossa identidade para colocar uma outra identidade que vem de fora, porque se considera superior àquilo que a nossa gente faz. Mas não podemos negar a nossa essência.