Perfil

Raquel Matsushita

12. Maio. 1971
São Paulo SP

Focada no design editorial, Raquel Matsushita é designer, ilustradora e escritora. Formada em publicidade e propaganda, com especialização em Design gráfico, Cor e Tipografia pela School of Visual Arts, em Nova Iorque, atuou profissionalmente em diversas empresas, desde pequenas editoras independentes até gigantes do mercado, como Abril e Globo.

Como sócia da Entrelinha Design, estúdio que fundou em 2001, desenvolveu dezenas de projetos gráficos. É autora do livro “Fundamentos gráficos para um design consciente”, de um livro de contos (para adultos) e de 5 livros infantis. Ganhou 2 prêmios Jabutis e foi finalista com outros 2, além de 3 prêmios da Biblioteca Nacional, entre outros. Possui vários trabalhos selecionados pela Bienal da ADG.

Qual foi o maior desafio da sua carreira?

Acho que foi acreditar em mim mesma. Passar pelos altos e baixos e pensar: “vou conseguir, vou dar conta”, porque, como dona do próprio negócio, em alguns meses você ganha bem e em outros, não, e isso me deixava nervosa no início. Como profissionais liberais, precisamos nos libertar dessa ideia de salário fixo e perceber que apesar de não termos certos benefícios, existem outros. Para mim foi importante parar de pensar na receita de cada mês. Hoje, me planejo e se tem um mês no qual ganhei bem, divido o valor com os meses de pouca receita. No fim das contas, o maior desafio foi acreditar que era possível desenvolver um modelo próprio e trabalhar dessa forma.

Como funciona seu processo de criação de livros? Você mesmo tem a ideia ou a editora te procura?

No processo de criação como autora, tenho a ideia, escrevo o livro e depois apresento à uma editora. A exceção foi o livro “Fundamentos gráficos para um design consciente”, pois este foi a editora que me convidou a escrever. Havia montado um curso sobre o que considero os 5 principais pilares do design gráfico: história do design, composição, tipografia, cores e produção gráfica. Tinha muita vontade de compartilhar esse conteúdo, então, mesmo não tendo pensado na ideia do livro, amei a proposta da editora e escrevi sobre esses 5 pilares. A experiência foi desafiadora e também muito boa.

Já como designer, o processo de criação acontece assim: as editoras me contratam para desenvolver o projeto gráfico de um livro e me deixam livre para criar. Coloco no projeto gráfico um olhar meu, é um processo autoral, no qual penso, além dos 5 pilares essenciais da criação, no ritmo do livro. A narrativa de um livro, assim como no cinema, precisa de um ritmo pensado com intenção. É preciso saber o que se quer dizer. Esse ritmo é uma combinação entre o texto, a imagem (quando o livro é ilustrado) e o design.

Como é que você desenvolve seu processo criativo de acordo com cada projeto de livro?

Começo lendo o texto, aberta para refletir como esse texto bate em mim. Escrevo palavras-chave e a partir delas desenvolvo um conceito, deixando claro o que quero dizer. Com a ideia em mente, começo a pensar em como vou trabalhá-la visualmente, ou seja, como dizer com imagem aquilo que pensei com palavras. É possível dizer por meio das cores, da composição e da tipografia. Até mesmo o abstrato pode dar conta desse dizer. As especificações técnicas (formato, papel, tipo de impressão etc) também são narrativa, parte essencial da criação.

As editoras já te procuram por conta do seu processo autoral?

Acho que sim, porque sempre proponho algo em que realmente acredito. Para mim, os melhores trabalhos são aqueles em que o design tem alguma relação com o conteúdo. Não apenas como um reforço da mensagem, mas dono de uma voz própria.

Quais são as suas referências?

As primeiras referências foram os chefes que tive, designers com os quais aprendi muito. No âmbito menos particular, acho que, no geral, olhamos muito para fora. Comigo, pelo menos, foi assim: comecei valorizando referências do mundo exterior, dos modernistas aos pós-modernos, para depois reconhecer os nossos, como a Moema Cavalcante, por exemplo. Lembro que a conheci quando estava na faculdade. A internet era um chiado de gato. Então, eu ia muito às livrarias para ver as capas dos livros (hábito que permanece até hoje, mesmo com internet banda larga). Foi pelas páginas de créditos dos livros que conheci várias referências, além da Moema, João Baptista da Costa Aguiar, Victor Burton, entre outros.

Hoje, minhas referências vão para além do design. É tudo que está ao meu redor. Um livro que leio, um filme que vejo, um exposição de arte que visito. As linguagens se fundem para novas conexões. 

Você já sentiu alguma diferença entre trabalhar com mulheres e homens?

Não vejo diferença, tanto que nunca foi um motivo de reflexão. Nessa questão, independentemente do gênero, acho que o mais importante é quanto a pessoa está aberta para trocar ideias, numa parceria horizontal.

 

Você acha que o seu trabalho é influenciado pelo fato de ser mulher?

É difícil dizer porque nunca fui homem (risos). Mas, acho que não, viu? Olhando para o trabalho dos designers homens ou mulheres, o gênero não faz a menor diferença.

Você sente dificuldade em equilibrar a vida pessoal e a profissional?

Não muito. Quando tive filhos (tenho dois), não foi exatamente uma dificuldade, mas, sim, um ajuste. Quando tive a primeira filha, pensei em ficar 3 meses exclusivamente com ela. Como eu gosto de trabalhar, não queria ficar muito tempo longe do estúdio. Passados os 3 meses, voltei a trabalhar. Montei um bercinho portátil no trabalho, achando que conseguiria dar conta. Na primeira semana, vi que não daria. Trabalho com prazo e nenê chorando são duas coisas que não combinam. Repensei, voltei para casa e só retornei ao estúdio depois de 2 meses. Já com o segundo filho, nem experimentei voltar antes dos 4 meses. Depois que as crianças entraram na escola, os horários se encaixaram dentro da minha rotina. Consigo perceber quando as coisas estão ultrapassando o meu limite. Não pego mais trabalho do que consigo fazer.

Por último, a gente quer saber o que você mudaria no mundo do design gráfico. Qual seria o mundo ideal pra você?

Nem vou falar que o mundo ideal seria ter dinheiro para fazer tudo o que quero, porque seria muito egoísmo (risos).

Penso que o mundo ideal seria aquele em que todas as relações de trabalho fossem não-abusivas, que houvesse igualdade salarial entre homens e mulheres, que o valor do design fosse sempre reconhecido.