Priscila

Priscila Lena Farias

06. Março. 1964
São Paulo SP

Priscila Lena Farias nasceu e estudou em São Paulo, tendo atuado também na Itália, no escritório de design Grafitti. Sempre interessada em compreender e discutir fenômenos invisibilizados, seja no design, nos quadrinhos ou na tipografia, Priscila se envolveu em diversos momentos de vanguarda do design brasileiro, tendo participado da fundação da ADG e sendo uma das pioneiras no debate sobre a tipografia digital no Brasil.  

Graduada pela FAAP, mestra e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e livre-docente pela USP,  hoje atua como professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. É coordenadora do LabVisual, editora do periódico científico InfoDesign – Revista Brasileira de Design da Informação – e membro do corpo editorial de diversas publicações na área do design, tais como Journal of Design History, The Design Journal, Design and Culture, e Information Design Journal.

Como aconteceu sua relação com a tipografia? De onde veio o interesse e como chegou nisso?

Sempre gostei do desenho das letras, é algo que sempre me fascinou. Tenho alguns desenhos de criança, meio como uma história em quadrinhos, na qual as letras falavam. Isso é bem engraçado de se observar. Mesmo depois disso, quando eu já trabalhava com quadrinhos ou ilustração, as letras sempre apareciam como elemento gráfico.

A tipografia digital é importante na minha trajetória, pois, antes dela, o universo do design de tipos era muito separado do universo do design gráfico. Eram duas atividades bem diferentes porque o design de tipos envolvia uma série de conhecimentos, incluindo uma estrutura de produção e distribuição muito específicas. 

Quando comecei a trabalhar com tipografia em computadores, na Itália, me dei conta de que essa era uma área emergente. Ainda era uma questão sobre a qual não se falava muito dentro do design, mas que vinha se tornando extremamente importante, porque facilitava o acesso à letras diferentes. Antes da transição para o digital, para escolher uma tipografia, era preciso pegar um catálogo e escolher entre as fontes disponíveis. Dependendo do fornecedor, o conjunto de opções era, inclusive, bastante limitado. 

Notei que a variedade de tipos estava aumentando rapidamente e virando um universo complexo. Foi exatamente isso que me captou o interesse. Houve um momento em que eu senti que era hora de uma pausa na minha atuação no mercado, pois eu estava apenas executando projetos, sem compreender o porquê. Então resolvi parar e refletir sobre a minha prática e sobre a prática do design como um todo. Essa questão da tipografia digital me parecia central naquele momento e foi por isso que decidi estudar o tema no meu mestrado, que depois virou um livro.

Em quê fazer o mestrado colaborou na sua prática profissional?

A verdade é que fui muito rapidamente cooptada para a área acadêmica. Não diria que ser professora era um plano para minha vida, pelo contrário, eu achava que não queria dar aula. O que aconteceu foi um pouco obra do acaso, por eu estar concluindo o mestrado no mesmo momento em que novas instituições precisavam de professores de tipografia. Terminei o doutorado, que foi sobre classificações de signos e design da informação, mas meu interesse ainda era, e continua sendo até hoje, tipografia e história da tipografia. Continuei dando palestras e workshops sobre esse assunto, e acabei trabalhando cada vez menos para o mercado, conforme fui me dedicando mais a atividade acadêmica.

Uma coisa interessante é que lecionar me permitiu perceber outras questões relevantes, como por exemplo: não se falava nada sobre história do design gráfico e da tipografia no Brasil. Notei isso quando ministrava aula de história da tipografia e os exemplos eram todos europeus e americanos. Isso significa que no resto do mundo não aconteceu nada? Ninguém mais usa letras? Como as letras vieram parar aqui? Fui notando, então, que ninguém falava sobre isso porque não existia uma referência, um livro sobre o assunto e, mais uma vez, identifiquei uma área que precisava ser mais estudada. 

No fim das contas, fui levada para um caminho que não é o da prática profissional, mas acabei tendo a oportunidade de ajudar outras pessoas, como meus alunos, a entenderem melhor o campo no qual eles estão atuando.

Você já sentiu alguma dificuldade ou desafio relacionado ao fato de você ser mulher? Seja no mercado ou na academia?

Não sei, acho que sempre acabei optando por coisas que eram difíceis para todo mundo. Quando estava na área de quadrinhos, tinha dificuldade de publicar ou ganhar dinheiro com isso, mas eu via que meus colegas homens tinham as mesmas dificuldades.

Uma coisa que poderia ter me inibido em algum momento, mas que eu acabei normalizando, foi o fato de estar no meio de muitos homens o tempo inteiro. Hoje, quando penso a respeito disso, percebo que não tinha referências femininas. Não havia uma mulher, designer gráfica, que fosse uma heroína, algum modelo que eu quisesse alcançar. Talvez até existissem mulheres assim, mas ninguém chamava a atenção ou falava sobre isso. Tive uma professora de desenho geométrico por exemplo, que me lembro bem, mas a maioria dos professores eram homens. Sinto que minha geração sofre dessa falta de exemplos femininos de gerações anteriores nos quais elas pudessem se espelhar.

Qual a principal ambição do seu trabalho?

Acho que a principal ambição do meu trabalho, hoje, é revelar essas histórias que estão escondidas. Sempre me interesso por coisas pelas quais pouca gente se interessou antes, assuntos sobre os quais vejo pouca gente falando. Essa questão da história do design gráfico no Brasil, da tipografia, das letras que estão nas ruas… enfim, geralmente são coisas que passam despercebidas. Acho que essa é minha principal ambição, tornar questões que não são tão visíveis, mais visíveis. 

O que que você gostaria de mudar no mundo do design gráfico?

Uma coisa que sinto no Brasil, atualmente, em geral por causa desses altos e baixos da economia e da política, é que o design gráfico fica sempre numa posição frágil. Nesses momentos de baixa, a tendência é privilegiar as soluções mais seguras e certas. Eu gostaria que um design gráfico com um perfil mais experimental pudesse ser compreendido e valorizado no Brasil. 

Você é uma das poucas mulheres que está inserida na tipografia no Brasil hoje. Você vê alguma perspectiva do fortalecimento do mercado tipográfico no país e do aumento de pessoas trabalhando só com isso?

Hoje em dia já existem mais opções para quem deseja se inserir na área, como a pós-graduação em tipografia no SENAC. Também tenho encontrado em DiaTipos* e afins cada vez mais mulheres jovens participando e tenho certeza que existe um espaço para esse crescimento. 

O trabalho com tipografia, hoje, já é muito melhor compreendido. Para você ter uma ideia, quando estava começando a fazer meu mestrado e ainda participava da diretoria da ADG, lembro que uma colega sugeriu: “por que não criamos na ADG um banco de fontes e colocamos todas as fontes que temos?”, essa era uma óbvia violação de direitos autorais, mas ela nem sabia que fontes tinham licenças que precisam ser compradas ou negociadas. Tinha muita ingenuidade com relação à tipografia e hoje em dia a situação mudou muito, vejo os profissionais mais sensíveis, e até mesmo os alunos. Às vezes, no primeiro ano eles já entendem que existem várias maneiras de se conseguir as licenças. 

Outra questão a ser superada por quem está interessado na área é a complexificação técnica, tecnológica. Para produzir uma tipografia existe muita tecnologia envolvida, e isso talvez iniba um pouco as pessoas. No entanto, para criar uma fonte digital básica e que funciona bem, é muito simples. O mais importante é ter uma boa ideia lá no começo.

Vejo o cenário de uma maneira positiva, já que é possível trabalhar em estruturas menores, em coletivos, atuar em rede e em conjunto com profissionais de outros países. Conheço uma iniciativa de meninas na tipografia chamada Alphabettes*, um grupo de designers e letristas mulheres, com gente do mundo todo. É fundamental promover o trabalho das mulheres que estão fazendo letras, porque de novo, como esse é um campo que está ficando mais tecnológico, ele pode parecer mais ameaçador para mulheres em geral. Acho que uma das ideias é mostrar que não é bem assim, que estamos aqui, que fazemos e que todas podem vir também.

* Evento de tipografia realizado em diversas cidades do país www.diatipo.com.br
**www.alphabettes.org