Elaine Ramos

08. Outubro. 1974
São Paulo SP

Entrevista realizada em março/2017.
Revisada em junho/2018.

Elaine Ramos é arquiteta de formação e desde o seu processo de graduação, já desperta maior interesse pelas matérias ligadas ao design gráfico, do seu curso. Em seu projeto final, desenvolveu, pela primeira vez, um livro, ainda sem saber que dedicaria sua carreira aos estudos da forma e a produção editorial deste objeto.

Poucos meses após formada, Elaine inicia sua jornada dentro da editora Cosac Naify, onde permaneceu por 16 anos, até o fechamento da empresa. Nesse período, foi responsável pela direção de arte de grandes títulos e de exemplares premiados, além de ter idealizado e produzido o conceituado livro “Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil”.

Quando a editora fecha as suas portas, o que poderia parecer um momento trágico a qualquer profissional, para ela no entanto, foi apenas o marco do início de um novo capítulo da sua vida. Assim, decide pôr em prática todos os aprendizados adquiridos nos seus anos de dedicação ao mercado editorial, e fundar a Ubu, uma nova editora independente e um espaço de autonomia, para as suas três sócias, no qual, dentro das capacidades da empresa, é possível experimentar coisas novas, projetos nos quais se acredita e que sejam democráticos dentro da sua proposta geral.

Qual é a sua opinião sobre a produção de bibliografia em design, hoje, no brasil?

Está crescendo. Na época em que eu comecei a publicar design na Cosac, não tinha quase nada. Aquele livro do Rafael Cardoso, o “Design Antes do Design” foi o primeiro sobre design brasileiro e era uma coletânea de textos de pesquisas, mas ainda tinha pouca pesquisa na área. A produção cresceu muito de lá pra cá.

Eu vejo muito o “Linha do Tempo” como um mapa para pesquisas posteriores. Ele tem muitas portas de entrada e espero que as pesquisas sigam esses caminhos. Claro que eu também não sei tudo o que está sendo produzido. Como eu não estou no meio acadêmico, não frequento  os encontros de pesquisa, nem tudo chega pra mim.

Quais as principais referências para o seu trabalho?

Eu sempre tenho dificuldade em elencar referências muito específicas. Primeiro, porque eu acho que é importante você ter um trabalho que se alimenta também de outras áreas e não só do design e também porque eu sempre tive uma relação com influência e com informação mais múltipla. Eu nunca fui fã de carteirinha de uma coisa específica, mas eu sempre gostei muito do design holandês, desde o Theo van Doesburg, do Wim Crouwel e do Total Design, do Karel Martens, Joost Groosten, Irma Boom, Mevis & Van Deursen, Experimental Jetset etc.

As vanguardas do início do século 20 também são uma fonte de inspiração. O Dadaísmo e o Futurismo tem uma produção gráfica muito especial, além do Kurt Schwitters e da referência incontornável do construtivismo, sobretudo Aleksandr Ródtchenko. Lissítzki, Sutnar e Moholy-Nagy, etc

No Brasil, eu acho que o trabalho do Aloísio Magalhães é muito inspirador, até por conta da amplitude da atuação dele. No Linha do Tempo eu descobri muita coisa que eu nem conhecia, como os livros do Di Cavalcanti, o J. Carlos, a enorme produção do Eugenio Hirsch, o Ziraldo, o Rogerio Duarte… Os concretos também são uma grande referência . São poucas as mulheres que tiveram espaço no passado, como a Bea Feitler. Mas o trabalho de artistas como Lygia Pape, Lygia Clark, Mira Schendel, Lore Koch e Regina Silveira são referências obrigatórias para os designers.

De mulheres atuando no mercado hoje, eu admiro muito o trabalho de colegas como a Elisa Von Randow, a Paula Tinoco do Estúdio Campo, a Flávia Nalon do PS2, a Luciana Facchini e a Flávia Castanheira, com quem compartilho o espaço de trabalho e é uma super parceira. Tem também mulheres de gerações mais novas fazendo coisas lindas, como a Nathalia Cury do Estúdio Margem, a Gabriela Castro do Bloco Gráfico e a Julia Masagão…

Você acha que o fato de você ser mulher influencia no estilo do seu trabalho?

Eu não diria isso, porque eu nem me encaixo num estereótipo feminino, que talvez seria o da delicadeza. Eu nunca olhei para o meu trabalho com esse filtro, mas não imagino que uma pessoa intua que eu sou mulher, vendo o meu trabalho sem me conhecer.

Na Ubu, vocês serem três sócias mulheres foi algo pensado? Você acha que isso fortalece ou influência de alguma forma o modo como as pessoas consomem a editora?

Foi totalmente coincidência. Eu acho que compartilhamos uma postura profissional e um tipo de comprometimento, que talvez tendam a ser características mais femininas. Não foi um projeto fazer a editora só com mulheres, mas, na prática só tem mulher trabalhando nesse lugar inteiro. Então eu acho que talvez sim, isso pode influenciar a forma como as pessoas enxergam a Ubu, mas a gente não fez disso uma bandeira. Não é uma editora feminista, ainda que nos interesse muito discutir gênero e o feminismo. É uma discussão contemporânea e interessante, mas é uma das possibilidades e a editora não é focada apenas nisso.

Você se lembra de alguma situação ou alguma dificuldade relacionada ao fato de você ser mulher, durante sua carreira?

Durante o tempo que eu trabalhei na Cosac sempre fui muito respeitada, e tive muita autonomia. Mas eu acho que, mesmo ali, os salários das mulheres eram mais baixos que os salários dos homens, ainda que, em geral, as mulheres trabalhassem mais que os homens. Isso é uma questão super séria. A Cosac, mesmo sendo uma editora cujo dono é muito esclarecido e sendo o contrário de uma empresa convencional, conforme eu fui ficando mais próxima do grupo de direção da editora, percebi que essa diferença existia de maneira significativa. Essa diferença de remuneração está naturalizada na sociedade, é feita sem muita consciência, e é muito grave.

O que você gostaria de mudar no mundo do design gráfico? Qual seria a situação ideal pra você?

Um assunto importante é a velha questão da sociedade como um todo entender o papel do designer. Muita gente não entende o que é. É uma batalha nossa, de todos os designers, fazer com que as pessoas entendam o nosso papel, a função do nosso trabalho, o conhecimento que existe por trás daquilo, a expertise e a experiência que ele exige. Entender o design é um pré-requisito para a que a sociedade gere demandas para o designer.

Eu acho que também que é necessário pensar na atuação do designer no sentido de que ele não se dedique a produzir coisas tão descartáveis. Infelizmente, boa parte dos formados em design gráfico se dedicam a coisas que vão pro lixo em pouquíssimo tempo.

E é importante ver a profissão de modo mais estrutural. O que me instiga no design é um raciocínio sobre o projeto, que inclui desde o público que ele vai atingir, até o orçamento que ele tem, uma equação inteira, que não se resume a ocupar um campo bidimensional com algo bonito, mas de lidar com outras instâncias envolvidas na produção, como a otimização dos processos, a adequação ao público, a eficiência da comunicação, etc.