Dandara Almeida

12. Fevereiro. 1985
Juazeiro BA

Entrevista realizada em março/2017.
Revisada em maio/2018.

Inquieta desde sempre, Dandara vive em uma busca constante por novos aprendizados. Pouco depois de formada, insatisfeita com o modelo de trabalho das empresas pelas quais passou e com a pouca troca entre os setores, decide montar o seu próprio estúdio para ter a liberdade de colocar em prática tudo aquilo em que acreditava: um trabalho de criação de qualidade, que se desenvolve através da pesquisa e da troca de conhecimentos, em um processo multidisciplinar.

Hoje, o estúdio que começou como Ap303 amadureceu e tornou-se Voulta, dentro do qual ela desenvolve todas as atividades administrativas relacionadas desde o gerenciamento dos projetos, ao setor financeiro e ainda consegue dedicar-se à criação.

Como funciona o seu processo criativo dentro do estúdio?

Esses processos variam muito, de acordo com as nossas fases. A gente já teve fases nas quais éramos só nós dois, já tivemos dois estagiários; um estagiário e uma artista plástica… Então os processos mudam muito e, quanto mais gente envolvida, mais distante a gente fica da execução e mais próximos da parte conceitual.

Eu, no geral, tive altos e baixos ao longo desses anos, porque comecei a me envolver com outras áreas, no estúdio, que não só o design. Como eu sempre estive mais próxima do atendimento, sempre fiquei muito presente nessa parte conceitual. Para alinhar o pensamento do estúdio com a expectativa do cliente.

A gente sempre teve essa preocupação e esse foco muito grande na pesquisa. Muitas vezes, até, isso já tomou muito mais o nosso tempo do que a fase de colocar a mão na massa, mesmo. Eu até brincava com o Biano, que quando eu pegava algum projeto, eu demorava, porque ficava trabalhando nisso no meio tempo, entre emitir uma nota e mandar um email, mas na hora em que eu parava, matava um trabalho que seria de muitos dias em um só. Porque, na verdade, eu fui construindo uma habilidade de ir absorvendo informação para aquele projeto, dentre as mil outras atividades que faço.

Quais são as suas referências? Quem você admira?

Recentemente, pensando em mulheres, eu fiquei muito encantada com a Paula Scher, que eu conhecia de nome, mas eu não conhecia o trabalho. Tem a Vanessa Queiroz, que é uma referência no Brasil e é uma pessoa próxima, que me ajudou muito, em diversos momentos. Tem a Jessica Walsh e o Sagmeister, como um modelo de negócio ousado, eles são bem fortes pra gente. O Push Pin, o Milton Glaser, Rogério Duarte e Alexandre Wollner, com a história dele, né? Como peça importante na construção do design brasileiro. Acho que é isso.

Você acha que o fato de você ser mulher interfere na sua linguagem gráfica?

Eu já me perguntei isso algumas vezes e no meu caso, eu acho que sim. É uma questão que desde quando eu comecei a refletir, comecei a pensar em como não ser assim, sabe? Mas, por outro lado, reconhecer que isso não é ruim; é mais uma busca minha, mesmo, por tentar experimentar coisas diferentes. Eu só não gosto quando isso é uma limitação, mas eu acho que passar uma feminilidade no trabalho pode ser, sim, uma característica legal.

Você já sentiu alguma dificuldade na sua carreira, ou alguma abordagem inadequada por conta de ser mulher?

Não sei se é de uma inocência minha, ou se realmente não existia, mas eu nunca senti uma diferença com os clientes pelo fato de eu ser mulher, muito pelo contrário. Eu sentia que tinha uma abertura maior. Traz uma proximidade, que eu não sei se é por conta do meu caráter, do meu jeito de ser, ou pelo fato de eu ser mulher, mas eu sinto que provocava essa proximidade maior.

No começo da carreira eu senti uma dificuldade, por ser mulher da criação, na grande maioria dos lugares em que eu trabalhei. Inclusive já fui assediada por um colega, que veio querendo me beijar. Na época eu era estagiária, então talvez isso tenha me chocado mais. Foi bem bizarro. Acho que tem um pouco do fetiche, né? Ser nova, estagiária, solteira, sabe? Ele tem sorte que ele é uma pessoa boa e que eu gosto dele, mas ele errou e errou feio.

Na época, eu não tinha o entendimento nem a maturidade que eu tenho hoje. Achava engraçado ver os meninos falando de mulher, aquelas coisas bem machistas, aquela era minha forma de conseguir estar ali no meio: no mínimo achar graça. Hoje eu vejo que me salvei, porque é um ambiente extremamente machista e acho que o trabalho da mulher é visto sempre como fofinho e delicado, parece que é um trabalho que não tem força e acabam vindo as demandas mais nesse sentido pra você. Que não era ruim, eram demandas que eu gostava, mas que acaba me restringindo, por uma questão de gênero mesmo.

Se você pudesse mudar uma coisa no design gráfico, se você pudesse viver no mundo ideal, como ele seria?

A primeira coisa que eu pensei, foi numa ideia do Marck, da Nitrocorpz. Ele fala que se ele pudesse ele não daria aula para designers, ele daria aula sobre design, para pessoas de outras áreas. Eu acho que essa foi a grande sacada do milênio e isso mudaria grande parte do cenário e dos problemas que a gente tem. Mudaria o mundo e a forma das pessoas consumirem. Elas entenderiam a relação do valor, de como aquilo interfere nas suas vidas, na sua cultura e no que elas consomem.

Se a gente pudesse, de alguma forma, levar o design para as outras áreas, sair do nosso mundinho, da nossa bolha, eu acho que seria uma grande transformação, de pelo menos metade dos perrengues que a gente passa dentro da área. Então, se eu pudesse mudar algo, seria isso: levar o conhecimento do que a gente faz, do valor e da importância, não só como detalhe estético, mas como formador de cultura, como formador de repertório visual, para outras áreas.