Perfil

Cecília Consolo

6. Junho. 1961
São Paulo SP

Entrevista realizada em março/2017.
Revisada em março/2019.

Pioneira na especialidade de gestão de marcas no Brasil muito antes de o termo “branding” se popularizar no país, Cecília Consolo já trabalha como designer gráfica há mais de 40 anos e desde então, trilha um caminho de muito peso, tendo passado pelos setores de comunicação e gestão da identidade corporativa de grandes empresas, entre nacionais e multinacionais, como Grupo Duratex e Grupo Dreyfus.

Parte integrante do corpo diretor da Associação dos Designers Gráficos (ADG) por 20 anos, hoje conselheira titular no Setorial de Design junto ao Ministério da Cultura e doutora em Ciência da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), Consolo ainda gerencia dois negócios próprios: a “Consolo & Cardinali” (1987), escritório especializado em Identidades Corporativas, Type Design, Design de Informação, Design Editorial e de Superfícies; e o “Lab Cognitivo” (2006), especializado em consultoria estratégica dedicada ao design. Além dessas ocupações, desempenha ainda a função de professora em cursos de Pós-graduação pelo país destacando FACAMP (Faculdade de Ciências Econômicas de Campinas), onde é responsável pelo curso de pós-graduação “Design Estratégico de Marcas”, a FIA (Fundação Instituto de Administração e na Universidade Mackenzie.

A gente queria saber se você já teve alguma experiência ou dificuldade diretamente ligada ao fato de você ser mulher?

Sim. Nas quatro grandes empresas em que eu trabalhei, eu exercia cargos iguais aos homens, mas ganhava cerca de 40% a menos. Uma outra questão que eu também percebo desde o começo é a maneira como as pessoas reagem a comentários de homens e de mulheres durante reuniões. Noto que as mulheres são sempre muito mais questionadas em suas falas.

Por essas questões, eu sempre entendi que para ser respeitada, eu precisava provar ser muito melhor do que qualquer homem no ambiente profissional e, para mim, esse é ​ainda ​o grande desafio das mulheres dentro das ​grandes e​mpresas: ​é ​precis​o​​ trabalhar o dobro, no mínimo, para serem respeitadas e para que saibam que ela ocupa aquele cargo por competência e não por ​favoritismos independentes da cena profissional.

Infelizmente, eu não consigo mensurar se isso melhorou no país… acho que é algo que já não acontece tanto quanto antes, mas com certeza nós ainda estamos longe da situação ideal. Quando eu trabalhei na Duratex, por exemplo, há uns trinta e poucos anos atrás, as mulheres ocupavam o cargo de secretárias. Era muito difícil encontrar uma mulher em um cargo técnico e de toda empresa, éramos só eu e mais uma. Hoje eu ainda trabalho com grandes empresas e noto que isso mudou um pouco, mas a quantidade de mulheres em cargos de direção ainda não passam dos 20%.

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E hoje, com a sua própria empresa, você ainda nota esse tipo de comportamento em reuniões com clientes, por exemplo?

Com alguns poucos, sim. Geralmente esse tipo de situação não acontece mais com clientes de grandes empresas. Com alguns líderes de médias e pequenas empresas é algo mais comum. Sinto que eles têm um certo receio, como se sua administração estivesse em jogo ao ouvir uma consultoria feminina. Eu tinha um cliente, por exemplo, que pedia a minha consultoria e dizia que iria pensar. Depois de um tempo ele me chamava de volta para falar exatamente o que eu havia dito, mas como se toda a estratégia tivesse partido dele, sabe? Eu acho engraçado, porque ele só está enganando a ele próprio.

Houve uma vez, em que um ex-aluno meu, hoje empresário, me ligou para pedir indicação de alguém para trabalhar com ele e eu indiquei uma ex-aluna excelente. A resposta dele foi que não queria contratar uma mulher, porque mulher fica grávida. Quer dizer, porque é que nós enfrentamos esse problema? Eu já ouvi comentários desse tipo numa das empresas que trabalhei antes, também: “nós não temos muitas mulheres trabalhando aqui porque elas têm uma jornada dupla e chegam cansadas no trabalho. Trabalhar com homens é mais seguro”. As pessoas falam isso com naturalidade, a discriminação é naturalizada, e essa ainda é uma questão cultural que precisa mudar. Mulheres e homens possuem sensibilidade e visão de mundo diferentes, dependendo da atividade, um ou outro, ou os dois, seria mais adequado. Todo esse preconceito, não só relacionado a gênero, mas todo tipo de preconceito, de toda natureza, acaba por atrasar o nosso crescimento. Essas questões ficam no caminho do desenvolvimento econômico do país, mesmo.

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Pegando o gancho nesse assunto, você busca fazer algum tipo de militância através do seu trabalho? Defende alguma causa?

Eu sempre busco dar o meu melhor em tudo o que eu me proponho a fazer e faço o que estiver ao meu alcance na luta por uma sociedade melhor. A gente sempre cobra muito do governo que resolva os problemas que vemos por aí, mas, no dia a dia, as pessoas não dão bons exemplos. Me pergunto o que custa deixar o outro passar no trânsito, sabe? O que você perde com isso? Eu acredito que essa mudança deve ser feita todo dia. Todo dia a gente tem que ser um cidadão melhor e entender que se o país está ruim, isso é um reflexo do nosso povo.

No meu escritório ninguém nunca trabalhou uma hora a mais, sequer, sem receber por isso. Também nunca deixei de pagar o valor justo pelo trabalho de alguém. Eu recolho todos os meus impostos, então quando eu brigo com o governo, eu brigo com gosto e com propriedade, porque eu sei que paguei por aquilo e que não tenho o retorno que deveria. A gente paga um monte para a saúde pública, por exemplo, mas precisa contratar um plano de saúde privado porque os hospitais públicos não dão conta. A solução que muitas pessoas vêem para isso é sonegar imposto, mas elas não entendem que isso não vai resolver o problema. Muito pelo contrário. O que a gente precisa fazer é cobrar que esses impostos sejam usados da forma correta. As pessoas votam nas pessoas erradas, votam com displicência, às vezes nem sabem quem são os candidatos e quais são as suas propostas. A gente tem um mal social, hoje, no qual a questão de gênero entra, mas para mim o problema é maior que isso e é maior para todo mundo.

O que você gostaria de mudar no mundo do design, hoje?

O design ainda está longe de ser uma ciência. Eu gostaria que as pessoas entendessem que a demanda do projeto envolve uma certa complexidade e que definissem seus valores com base nisso. Por exemplo: em algumas tabelas de associações, você tem : “Design de marca: R$ 2.000,00 para clientes pequenos, R$ 5.000,00 para médios e R$10.000,00 para grandes”. É como se você fosse ao cabeleireiro e o preço do corte fosse diferente a depender da marca do seu carro. Para mim isso não faz sentido.

Os profissionais precisam analisar o grau de complexidade do projeto para definir o seu valor. Por exemplo, se o projeto é para uma multinacional, ele vai envolver um número maior de relações, o trabalho vai ser mais complexo e por isso será mais caro. É importante entender isso e não definir seus valores apenas com base no tamanho ou porte da empresa. Essa prática é amadora.

Uma outra questão que eu mudaria é a seguinte: eu gostaria que os escritórios focassem mais em resultado. Designer de nenhuma escola é ensinado a provar que seu trabalho vai dar certo e que vai gerar resultado. Seria necessário mudar a grade dos cursos para tornar os profissionais de design mais eficazes nesse sentido; é preciso que se mude a forma de encarar a função do designer, que ela não seja vista mais como um mero trabalho de criação artística sem responsabilidade técnica.

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Por último, se você pudesse mudar alguma coisa no mundo do design, o que você mudaria?

Nossa, que pergunta difícil! Bom, uma coisa que tem a ver com a entrevista de vocês, e que já está mudando, é aumentar o número de mulheres no design. Eu acho que a mulher tem muito a acrescentar no design e uma das coisas mais importantes é que ela esteja em papéis de liderança. Não sei se vocês assistiram o documentário “Abstract”, com a Paula Scher… é interessante você ver ela falando que essa coisa do machismo não fez diferença na vida dela (e nisso eu me identifiquei muito, porque na minha também não fez) e como você pode chegar longe se você for bom e acreditar no seu potencial.

Acho que o que eu mudaria, mas aí eu teria que mudar o mundo e fica um pouco mais difícil, é que as mulheres tivessem mais representatividade no mundo desde que ele começou, de maneira efetiva e em todas as áreas. Eu acho que faria muita diferença hoje no mercado. A gente ainda tem muito o que conquistar e daí quando me chamam para que eu vá dar uma aula, porque eu sou uma mulher referência na minha área, eu penso “Caramba, que legal. Que bom que eu sou uma boa profissional e ainda ajudo a representar as outras mulheres”. E isso significa que todo mundo pode ser.

Talvez uma coisa mais prática que eu mudaria no design, também, é que as universidades começassem a pensar na vida real. Que preparassem as pessoas para criarem suas empresas, seja lá em que área for.