Ale Kalko

20. Outubro. 1976
Curitiba PR

Entrevista realizada em março/2017.
Revisada em maio/2019.

Ale Kalko iniciou sua formação em design cedo, ainda durante seu ensino médio, quando realizou o curso técnico em desenho industrial no CEFET. De lá para cá, entre outras experiências profissionais, soma mais de 12 anos de trabalho para Editora Abril, desempenhando, inclusive, o papel de diretora de arte da Revista Mundo Estranho. Ale foi responsável por dar cara a publicação, tornando-a grande referência no uso de infografia como linguagem informativa e divertida e explorando estilos de ilustração variados.

Durante toda a sua carreira, a designer nunca se acomodou. Sempre realizou cursos (no Brasil e no exterior) para expandir seus conhecimentos, com destaque para uma oficina ministrada por Milton Glaser*, que diz ter mudado a sua forma de encarar a profissão. Desde os seus primeiros passos na graduação, Ale também desenvolve projetos pessoais experimentais, com foco na produção de livros artesanais e outros impressos, os quais ela expõe e vende em feiras independentes como a Feira Plana.

*Renomado Designer norte americano, conhecido, dentre outros trabalhos, pelo desenvolvimento do logo “I Love NY”.

O que você considera que foi o maior desafio e superação da sua carreira?

Eu acho que o maior desafio da minha carreira foi encontrar minha própria voz, no sentido de ter auto-confiança no meu trabalho.

Eu comecei minha carreira muito nova. Com 26 para 27 anos já estava cuidando da Mundo Estranho. Era uma revista super legal e eu já tinha, de fato, capacidade para cuidar de uma revista, mas existe um estigma pelo fato de você ser jovem, que interfere no jeito como as pessoas te tratam e eu vi isso acontecer algumas vezes. Inclusive, nessa hora ser mulher também é algo que pesa: as pessoas te “adotam” de certa forma, ou elas te infantilizam.

Existiu um processo de amadurecimento, meu, que foi de desenvolver a minha voz. Se impor, pra mim, sempre foi uma dificuldade. Hoje é algo que eu consegui superar, mas só veio com a experiência mesmo.

O meu maior desafio é lidar comigo mesma. Porque às vezes eu sou a minha pior crítica. Na época em que eu saí da Abril, eu estava fazendo coisas super legais, mas ao mesmo tempo eu já sentia que aquilo era mais do mesmo e achava que nada nunca estava bom o suficiente. Eu já tinha visto 500 mil referências e quando alguém vinha me mostrar algo novo, eu sabia exatamente de onde era aquilo. Ainda não existia Pinterest, mas mesmo assim, todo mundo bebia das mesmas fontes. Eu conseguia olhar pra um trabalho e não achar que estava legal, porque já tinha visto algo parecido. Eu estava numa fase muito “blasé”, em que nada mais me encantava, e foi por isso que precisei sair, pra poder me reencontrar.

Eu converso muito com amigos sobre isso e cheguei à conclusão de que existem muitos tipos de Designers: tem aqueles que não têm projetos pessoais e fazem do trabalho diário a sua realização de criação; e tem também aqueles que não se importam tanto com isso, que às vezes fazem um trabalho incrível, impecável, mas não se envolvem tanto no processo. Então quem se envolve acaba sofrendo mais com isso, por nunca achar que está bom o suficiente. É um envolvimento muito afetivo com o que se está fazendo e a gente não vê só como trabalho. Imagino que, ao mesmo tempo, quem consegue enxergar a atividade do design só como trabalho também acaba sofrendo um pouco, porque não vê tanto propósito no que faz. Daí eu levanto mais uma vez a minha bandeira de que você tem que ter projetos pessoais para tornar tua vida mais tolerável. Porque com eles você pode fazer o que quiser! É importante que você tenha espaço para dar vazão a isso e não gerar frustrações.

Você já sentiu alguma dificuldade na sua carreira, relacionada ao fato de ser mulher?

Como eu falei, eu tinha uma certa insegurança no começo, por ser muito nova (e eu nunca aparentei ter a idade que eu tenho, sempre pareci mais nova), então as pessoas me infantilizavam e para mim acho que isso pesou mais do que algum caso específico.

Eu também acho que demorei a ser reconhecida financeiramente. Porque as pessoas que cuidavam de outras revistas (os homens) ganhavam mais do que eu. Eu não sei se isso era devido a minha postura, mas eu sabia dessa diferença salarial e não era só comigo, com outras mulheres na mesma posição também. Isso para mim foi o mais grave.

Durante a sua trajetória, você sentiu alguma diferença entre trabalhar com mulheres e com homens?

Não. Eu não vejo essa diferença, mas tem algo que eu aprendi observando a maneira como colegas homens e mulheres trabalhavam: As mulheres costumam ser muito mais “multitask”, fazem várias coisas ao mesmo tempo e isso tem o seu lado bom e o seu lado ruim, porque você acaba interrompendo muito o seu fluxo de trabalho para resolver demandas alheias. A maioria dos homens (e eu tinha uma colega que fazia isso, também) recebia uma tarefa de outra pessoa e não interrompia o que estava fazendo para resolver, mas deixava no fim da lista. Assim, você acaba descobrindo que muitas das demandas que chegam para você podem ser resolvidas por outras pessoas ou pela própria pessoa que te passou aquilo, se você der meia hora, por exemplo. Acho que existe uma ansiedade de eficiência (e acho que mulher tem muito disso) que acaba comprometendo a nós mesmas, porque você atrasa o seu próprio trabalho para resolver uma outra questão. Quando eu comecei a fazer isso também, minha vida ficou bem melhor, porque comecei a focar em terminar o meu trabalho e não parar o que eu estava fazendo para  que o outro acabasse o dele antes.

O que você mais almejava quando você começou a trabalhar como designer e como isso mudou ao longo da sua trajetória?

Eu não tive grandes sonhos, mas sempre tive uma busca incessante pelo aperfeiçoamento do meu trabalho e isso causa uma certa ansiedade, mas com o tempo eu fui aprendendo que em muitos casos “pronto já é ótimo”. Isso vale muito pros meus projetos pessoais.

Quando você começa a trabalhar com revista, é meio inevitável não se envolver com os prêmios. Uma hora você começa a fazer os trabalhos para ganhar esses prêmios e acaba entrando numa rodinha de hamster sem fim. Eu mesma tinha essa ambição e ganhei muito prêmio de infografia, de design. Sempre quis ganhar um SPD e a Super Interessante hoje já ganhou um monte, mas acho que fui a primeira a dizer que a gente precisava se inscrever e tinha capacidade de ganhar. Hoje, tanto a Galileu quanto a Super (e a Mundo Estranho também, eu acho) já ganharam vários prêmios grandes, desses que a gente achava que nunca iria conseguir. Mas aí você começa a entrar nessa pira (e foi um pouco por causa disso que eu saí da Abril naquela época) e parece não ter fim, sabe? A gente quer fazer um trabalho bacana e quer ser reconhecido por isso de alguma maneira e isso acaba virando um poço sem fundo de insatisfação. De que o trabalho não está bom o suficiente, de que não tem reconhecimento suficiente. Uma hora em que do copo vazio/cheio você só olha pro que tá vazio. E isso é muito perigoso pra criatividade. Você conquista muitas coisas bacanas, cargos bacanas faz os trabalhos mais legais e tem uma sensação de que o topo da montanha na verdade nunca chega e ao mesmo tempo “é só isso”. E no fim não tem um fim e tudo é “só isso”, mesmo.   

Por isso, hoje, a minha vontade é viver com calma e  conseguir fazer trabalhos legais, sempre dar o meu melhor, mas sabendo a hora de parar. Acho que a minha ambição é conseguir ter tempo pra fazer os meus projetos pessoais e viver basicamente deles. Uma coisa legal que acontece é que muita coisa dos meus projetos pessoais, acabam puxando outros trabalhos e eu acabo virando minha própria referência. Eu acho muito positivo você ter um repertório pessoal teu, porque vai ter uma hora que as pessoas vão pedir pra você fazer essas coisas pra elas e ainda vão te pagar por isso. Hoje é com isso que eu sonho: conseguir ser cada dia mais minha própria referência e fazer muito mais trabalhos com a minha cara do que a partir de uma outra ideia que alguém achou de outro lugar.

Conta para a gente um pouco sobre o seu processo criativo?

Olha, eu tenho dois processos criativos. Para os trabalhos editoriais, primeiro eu tenho que ler o trabalho, entender o que preciso fazer e a partir daí eu começo o processo de pesquisar e de me aprofundar no tema aí buscar soluções nessa imersão de  repertório. Para a minha produção pessoal, eu tenho várias ideias, então eu vou colecionando essas ideias e tento filtrar o que está mais fácil de produzir, aquilo que está melhor formatado e que vai me dar menos trabalho no momento, então começo por alí. Terminando um projeto, já começo a me preparar pra começar o próximo em seguida. É preciso disciplina para ter uma produção pessoal significativa.

Se eu não tenho nada em mente, eu volto para esse lugar em que eu guardo todas as minhas ideias e assim eu tenho sempre algo pra fazer. O processo criativo da minha produção pessoal é, na verdade, uma metodologia que me provoca a estar sempre criando, sempre fazendo alguma coisa. É um processo contínuo, porque nenhum insight vem do nada. É algo que vai se construindo ao longo do tempo.

Quais são suas referências e inspirações? Entre mulheres e homens…

A Paula Scher é um grande nome; a Marina Willer, que hoje é sócia do Pentagram e foi minha professora na faculdade… ela foi a mulher que tirou todo mundo da caixinha na época e transformou a vida de um monte de gente. Ela ensinou todo mundo a pensar diferente. De ilustradora, pra mim, tem a Maira Kalman.

O Sagmeister é muito incrível. O Milton Glaser é uma referência para mim, muito pelo discurso dele… Tem o George Lois também. Tem muita gente bacana e eu acho que hoje a gente tem muito acesso. Eu fico muito triste de citar 3 ou 4, porque tem muita gente que talvez não me venha à cabeça agora, então eu diria que essas são algumas das minhas referências… Ah! Tem uma designer bacana que vale prestar atenção: Kelli Anderson. O trabalho dela é muito legal e ela é super envolvida politicamente com várias pautas.

Você tem dificuldade em equilibrar a vida pessoal e profissional?

Eu tenho dificuldade em saber o quanto da minha vida pessoal é profissional, porque elas se misturam muito. Tem momentos em que eu estou trabalhando fixa há uns seis meses, cansada, e percebo que não peguei nada de autoral para fazer nesse tempo. Aí eu já acendo um “alarminho” para mim mesma: “Estamos sem produção pessoal há 5 meses!” Eu tenho muito prazer em fazer meus projetos e às vezes deixo de sair pra terminá-los. Eu não me sinto mal com isso porque estou me divertindo do meu jeito.

Mas temos que achar o equilíbrio, sempre, e saber que não tem nada de bonito em virar a noite ou deixar de ir no aniversário de alguém da sua família, dos seus melhores amigos, porque seu chefe ou cliente quer uma entrega impossível.

Você se considera feminista?

Sim, me considero. Eu acho que todo mundo tem que ser feminista, o feminismo é necessário. independente de gênero, cor ou de classe social, acho que todo mundo tem direito a ter acesso às mesmas coisas, igualdade salarial, visibilidade, reconhecimento.

Se você pudesse, o que gostaria de mudar no mundo do design gráfico e da ilustração?

Eu acho que a gente faz trabalhos importantes, acredito que o design tem uma função facilitadora de transformar  a vida das pessoas para melhor.

Tem um evento chamado “What Design Can Do” que é muito legal, com uma proposta de mostrar solucões inovadoras que transformaram vidas,  é o design que “salva o mundo”, mesmo. Eu queria ver mais esse tipo de design e que os nossos apegos durante o projeto não fossem à questões meramente estéticas.